domingo, 14 de junho de 2020

[Conteúdo Exclusivo de Plataformas Gratuitas] Crowley - Universo Expandido: A Longa Viagem de Volta - 2ª parte


2ª Parte: Inspetor Franco

 

Todos os dias acordo agradecendo a Deus por eu e meu filho termos mais um dia de vida.

Mas também peço a Ele para não deixar Jorge sucumbir à depressão e se matar. Sou dez vezes mais grato sempre que mais um dia se vai e meu menino ainda vive. Aqueles dias ainda frescos em nossas memórias são profundamente dolorosos.

Agora, porém, tenho outra missão além de cuidar do meu garoto: cumprir a promessa, feita a Takeshi Tachibana anos antes, de proteger sua filha, Shion, caso um dia ela voltasse à Colônia do Sacramento. Até agora, porém, não compreendo o motivo daquele pedido desesperado. Porém, um amigo é algo guardado no lado esquerdo do peito e isto me fez prometer dar guarida àquela doce moça. No entanto, um possível motivo me vem à mente.

Seu coração puro de amor e sinceridade e sua inabalável vontade de melhorar o mundo lhe põem um alvo nas costas. Pois covardes, para mim menos que humanos, não hesitam em agir quando alguém ameaça acabar com seu ciclo de maldades. Infelizmente, há muitos em todos os lados e sei do que são capazes quando se sentem ameaçados mesmo na menor das situações.

Não faz trinta anos, conheci o pior da humanidade em forma de homens fardados dizendo querer proteger nosso continente da ameaça comunista vinda da URSS. Embora eu tenha a consciência de que os erros de um lado jamais justificarão os de outro.

Tanta gente foi, e ainda é, torturada. Tantos morreram, talvez ainda morram. Nem posso contar o número de crianças arrancadas de suas famílias. As mães chorando em desespero pelos filhos ou filhas desaparecidos. Os pais implorando notícias. Avós argentinas lutando para recuperar os netos roubados e os corpos de seus filhos e filhas desaparecidos. Simplesmente não consigo falar disso sem sentir a boca amargando um horrível gosto de fel.

Menos ainda posso mencionar aquela criatura que quase me arrancou meu único filho. Dói sempre quando lembro dos quase dois meses de internação, mas, nos 90 dias passados de sua alta, é doloroso demais ver seu atual estado.

O semblante antes feliz hoje é a pura tristeza encarnada. O único ruído que ouço dele é quando mexe sua cadeira de rodas, ou chora, ou ambos, pois não diz uma palavra desde então. Sua paralisia e afasia, segundo os médicos, são psicológicas, pois sua coluna, graças a pinos de platina, pôde ser salva de uma lesão que podia tê-lo paralisado pelo resto da vida, sem contar que, mais uma ou duas horas sem resgate poderiam ter lhe custado a vida. Somente com uma forte vontade poderá voltar a caminhar e falar, mas ele recusa qualquer ajuda. O suicídio de María e o que veio depois, além do antes, lhe marcaram demais e em mim também esses fatos deixaram cicatrizes doloridas e profundas.

Pensar, porém, que, há pouco mais de dois anos, eu teria rido se alguém dissesse ter crença em mortos ressuscitados chupadores de sangue. Crowley, para mim, até aquele dia, quando perdi dois colegas meus cruelmente assassinados naquela casa amaldiçoada, Vila Josefina, não passava de uma lenda contada por gerações de aldeões supersticiosos, padres jesuítas e nobres medrosos e ociosos. Hoje, sei disso bem mais do que gostaria, sendo uma medida preventiva, pois o Mal sempre dá um jeito de fazer seu jogo.

Um jogo perigoso.

Tanto que, graças a um velho amigo livreiro, consegui várias publicações raras sobre vampiros e a elas me dedico quando estou de folga ainda que cuidando de Jorge, pois temo que ele tente o suicídio de alguma forma. Graças ao bom Deus, tenho a preciosa ajuda de Adela, minha vizinha doceira vivendo na casa germinada à minha e duas ex-colegas de escola de meu filho, Carla e Ingrid, ambas morando na rua de trás.

No entanto, não é fácil porque ele não quer ajuda e nem se ajudar. Eu, porém, não posso culpá-lo por se sentir da forma como se sente. Porque nem mesmo eu consigo deixar o sentimento de culpa de lado por não saber o suficiente do meu atual conhecimento. Pois se tivesse me informado melhor sobre a luta que travávamos, talvez metade dessa história tivesse sido evitada.

Se bem que isso não seria exatamente simples, e permanece não sendo, porque nem mesmo sei com absoluta certeza como Adrian Crowley se tornou vampiro. Embora o documento acerca da execução dele, afanado pelo falecido Andrés Gutierrez, mas já devolvido ao arquivo da Basílica, aparentemente clarifique tudo. No entanto, hoje sei não funcionar dessa forma, mas vindo de alguém que inclusive lidava com magia negra, tudo é possível. Isso sendo apenas a ponta do iceberg de dúvidas ainda presentes. Verdade que há muita informação acerca dele na igreja local, mas muitas são desencontradas. Ou relatos orais carecendo de melhor fonte.

A única realmente confiável é o relato de um jesuíta, provavelmente o mesmo a conseguir as provas para executá-lo, sobre as ações horrendas de Lord Adrian Crowley em Colonia del Sacramento não muito tempo após sua fundação. Na época, a então fortificação era parte do Império Português, pois foi por ele fundada, razão pela qual o relato lido pelo padre que eu e meu filho visitamos estava em português europeu antigo.

No momento, entretanto, duas coisas me preocupam.

A primeira: as cinzas de Crowley ainda trancadas naquele pote de vidro, para minha infelicidade. Como eu soube? Janet me ligou, desesperada, de um telefone público de Buenos Aires e confessou não ter conseguido abri-lo devido a um estouro dentro tê-la assustado de tal modo que o soltou com toda a força no rio da Prata. Também me disse jamais pretender voltar a esta cidade enquanto viver. Não a culpo, pois mesmo eu queria estar longe daqui, mas meus deveres me prendem a esta cidade, assim como meu amor por essa terra, adotada por mim quando cheguei, ainda muito jovem e já casado com minha falecida esposa, na época grávida do meu menino, hoje um homem feito, mas deprimido.

A outra preocupação é María, enterrada no cemitério municipal. Pelo menos até onde sei, ela morreu ao se expor na luz do dia, pois se converteu em vampira após se suicidar, por motivos até o momento incertos, mas certamente relacionados a Crowley. Desconfio que de algum modo ele esteja relacionado também a esse “estouro” ocorrido com Janet. Da segunda e definitiva morte da ex—prometida do meu filho, porém, já não estou tão certo, considerando toda a minha leitura sobre vampiros até o momento. Deus sabe que não quero cometer um crime, mas serei forçado a isso. Nada mais de terrível aconteceu desde então, mas prefiro, por ser meu dever como ser humano, além da minha função, garantir a segurança da população.

Todavia, a chegada de Shion Tachibana atrapalhou todo o meu cronograma, mas, me fez uma pessoa muito mais feliz, pois sempre tive grande amor e consideração por essa menina, hoje uma mulher feita. De repente, porém, as palavras desesperadas de Takeshi ressoam em minha memória, mas confesso não saber com clareza, até hoje, o porquê delas...

Me prometa uma coisa: protegerá Shion! A qualquer custo, não permita ao Mal, seja qual a forma dele, se aproximar dela, Augusto. Ela é uma menina muito especial, por isso é visada por quem considera a bondade uma fraqueza! Você precisa me prometer protegê-la!

Prometi, é claro. Infelizmente, porém, nunca tive chance de rever Takeshi, pois ele morreu cinco anos depois de ir embora, em um acidente de carro. Shion tinha apenas quinze e já em suas costas a responsabilidade de ser estudante universitária, pois sua inteligência fora do comum a fez pular várias séries escolares. No entanto, creio que esta decisão de sua família não foi das mais acertadas, pois a exigência dos japoneses com relação aos estudantes, também aos trabalhadores, não raras vezes os leva a distúrbios mentais e até mesmo ao suicídio. Tanto é assim que o Japão é um dos países com a maior taxa mundial de jovens tirando a própria vida.

No entanto, ela é forte, determinada e corajosa apesar de toda a pressão que teve, e tem, de suportar, pois sua vontade de mudar o mundo positivamente é inabalável e sua fé no melhor da humanidade, inquebrável. Porém, sei, como pai, o quanto ela sofre por dentro, pois creio que ela também conheça acerca do pior dela, por não parecer ser ingênua, mesmo sempre sorrindo.

Mas enquanto eu viver, ela terá em mim uma figura paterna: alguém para se apoiar e um ombro amigo para chorar.

Sobre Renata Cezimbra

Brasileira e gaúcha com os dois pés e muita imaginação na região do Prata, pois é lá que começa o universo dos Vampiros Portenhos. Onde convergem os vórtices das mais férteis referências de uma dama teimosa, que aprecia pitadas de cultura pop, referências underground e coisas do arco da velha.

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19 comentários:

  1. Li a primeira e segunda parte e gostei bastante!

    Acho que é uma boa sacada misturar o período da 2ª Grande Guerra com os elementos do texto!

    Sucesso!

    Beijos.
    www.marcasliterarias.blogspot.com

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  2. Oi Renata!!

    Menina eu estou adorando acompanhar essa história que você está trazendo em seu blog, não vou mentir que gosto bastante de história de vampiros o que me deu ainda mais interesse nela!! E mais uma vez continuo curioso para saber quem é Crowley! Aguardando o próximo post!!

    Beijos!
    Eita Já Li

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  3. Oii!

    Renata, que bom poder ler a continuação! Estou gostando bastante do desenrolar da história, você publica em outra plataforma também?

    Beijinhos,
    Ani
    www.entrechocolatesemusicas.com.br

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  4. Oi Renata, como vai? Menina, você escreve muito bem! Fez algum curso de escrita ou criação de personagens? Se fez indica pra mim, estou querendo estudar sobre o assunto. Parabéns, pelo trabalho está ficando incrível.

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  5. Confesso que fiquei bem perdidinha, porque peguei o bonde agora. Mas isso não me impediu de perceber que o enredo é bem fluído e bem estruturado. Depois dou uma olhada no que veio antes para me situar : )

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  6. Eu comecei a ler e me senti um pouco perdida, mas já fui atrás da primeira parte hahahahahahahha
    E que escrita fluída, gostei. Até eu que não sou muito fã de histórias com vampiros me senti envolvida com a narrativa, curti!

    Sai da Minha lente

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  7. Adorei a forma como você escreve, gosto de histórias do gênero, fiquei um pouco confusa mais deu para entender.

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  8. Oieee

    Comecei a ler. E amando sua escrita. Fluida, bem colocada. Mas estava perdida em alguns aspectos, não entendi. Ai vi que é a segunda parte né ahahhaa vou ler a primeira é acho que tudo mais dará sentido.


    É uma historia interessante . Será postada inteiramente aqui?

    Bjos e Cheiros
    BLOG Livreando

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  9. Olá, tudo bem? Gostei dessa segunda parte, que com certeza foi tensa. Sua escrita é maravilhosa, pois a leitura foi super fluida. Adorei!
    Beijos

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  10. Oi Renata!
    Como sempre sua escrita é fantástica e a história se desenrola de maneira natural, quando você vai publicar um livro? Estou curiosa para saber a continuação e como vai acabar essa trama. Estou sempre antenada no seu blog, parabéns pelo post e ansiosa pelos próximos capítulos, bjs!

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  11. Que história bacana e cheia de força, não li a primeira parte e vou lá agora para poder juntas as pontas que ficaram soltas visto que comecei errado a leitura hehehehehe mas de qualquer forma, já quero acompanhar mais dessa história envolvente.

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  12. Olá!

    Você escreve muito bem e está melhorando mais a cada novo trabalho.

    Gostei muito dessa segunda parte, que venha a próxima.

    Beijos

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  13. Oi, tudo bem?
    Nossa, está muito legal o desenrolar dessa história. Eu não sou muito fã de historias envolvendo vampiros, mas já tinha curtido a primeira parte e gostei muito dessa. Estou curiosa para saber o que vem a seguir. A escrita é super fluida e instigante.
    Beijos!

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  14. Oi gente, tudo bem?
    Sem dúvida sou MUITO grata a todos e todas que me apoiaram até aqui, me dando um suporte lindo demais! Domingo agora sai a quarta parte da primeira história e já vou avisando que as coisas vão começar a ficar complicadas! E a segunda história trará ainda mais dificuldades aos nossos protagonistas!
    Um beijo de fogo e gelo da Lady Trotsky...
    http://www.osvampirosportenhos.com.br

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  15. Acompanhando e adorei que você inseriu o contexto da segunda guerra na história!!!
    Aguardando o final!!!

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  16. Apesar de não ter lido a primeira parte, a forma como você descreveu alguns acontecimentos me mostrou uma narrativa fluída e bem estruturada. Parabéns.

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  17. não conhecia a primeira parte e fiquei meio confusa no inicio com o assunto de depressão esperei outra história mas gostei da supresa :)

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  18. Não li a primeira parte e fiquei um pouco confusa, mas gostei demais da ambientação da história e do desenvolvimento

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  19. Oi gente, tudo bem?
    MUITO grata pelos comentários de vocês nessa história que eu amei tanto escrever! Sim, ela já foi concluída, mas ainda estou postando aqui enquanto escrevo a segunda história do primeiro arco, "Jogo Perigoso". Espero que estejam ansiosos pela próxima parte!
    Um beijo de fogo e gelo da Lady Trotsky...
    http://www.osvampirosportenhos.com.br

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