sexta-feira, 14 de agosto de 2020

[Meus dois centavos sobre...] Wakaliwood, lugar de sonho e esperança

 

Doze dias antes, o Fantaspoa 2020, a décima sexta edição do festival de cinema fantástico mais lindo do planeta todo, o qual tenho o privilégio, orgulho, pompa e circunstância de dizer que é gaúcho, sim, senhor, da capital Porto Alegre, mas cidadão do mundo, terminou.

Deixando um gostinho, ou melhor, uma fome imensa, de quero mais.

Entre 137 filmes do mundo todo, 89 curtas e 48 longas (contando os que saíram antes do final) fizeram a alegria de cinéfilos como eu, que assisti dez longas de países cujo cinema eu não conhecia até então e curtas de pelo menos meio mundo em idiomas muito variados. Inglês, espanhol, iraniano, indiano, sérvio, esloveno, italiano, holandês, finlandês, sueco e uma lista ainda maior de línguas que meus ouvidos até então não conheciam.

Nesse texto, porém, eu quero falar de um certo lugar, ou melhor, um mundo paralelo onde tudo é possível e meio doido, onde a pobreza, a violência, a fome e outras mazelas dão lugar ao direito de sonhar com dias menos duros e mais belos ao nascer do sol e à esperança de um futuro melhor.

Wakaliwood*, que veio depois da glamorosa Hollywood e da loucura chamada Bollywood. A homenageada, junto com seu diretor e fundador, Isaac Nabwana, desse ano no Fantaspoa. Por merecimento, devo dizer.

Esse mundo paralelo, onde sonhos se tornam realidade e mudam a vida de tanta gente, apesar dos pesares, nasceu em uma favela da capital ugandense Kampala, Wakaliga. Daí o nome Wakaliwood, “fundada”, ou melhor, encantada, por dois irmãos, Robert Kizito e Isaac Godfrey Geoffrey Nabwana, ou IGG, como é mais conhecido.

Encantada porque, por menos recursos que o Ramon Film Productions (uma junção dos nomes das avós, Rachael e Monica, que criaram Robert durante a Guerra Civil, entre 1981 e 1986), eles fazem os filmes com todo o amor e dedicação do mundo.

Diálogos são improvisados, maquiagem e figurinos são feitos pelos próprios atores, as refeições coletivas, porque é gente a rodo, são feitas também por eles. Tudo é em equipe e cada centavo adquirido com a venda dos DVD’s de porta em porta é repartido entre os envolvidos, mesmo aqueles que vem de outras partes de Uganda, que tem pelo menos cinquenta povos diferentes no território, atraídos por um projeto tão lindo e sincero de fazer cinema com amor.

O que é algo a ser notado porque o continente africano, infelizmente, tem um forte histórico de muitos conflitos entre etnias diversas desde muitos anos. Um exemplo, de muitos que eu poderia citar aqui: o Genocídio de Ruanda, em 1994.

Claro que, como todo o projeto que envolve dedicação, existem obstáculos que muitas vezes tornam a existência um desafio difícil e doído. Ou como o próprio Nabwana diz, “uma mistura de comédia, ação e drama”. Porque, infelizmente, muitos membros da equipe dele já são falecidos. Provavelmente de doença ou homicídio (prefiro não saber detalhes porque dói no meu coração imaginar o quanto o Isaac deve ter sofrido com essas perdas e muitas vezes pensado em desistir), já que a miséria e a violência são uma realidade muito forte e triste em Uganda.

Nada diferente das favelas do Rio de Janeiro ou São Paulo, nas quais uma Wakaliwood está fazendo falta. Não que os projetos lá existentes sejam ruins ou inválidos, mas um projeto conjunto, como o feito em Wakaliga, entre a maioria dessas favelas sem dúvida seria uma excelente ideia.

Assim como falta, em muitas partes do mundo, ações mais efetivas do governo, como infraestrutura básica, melhores condições de saúde, segurança efetiva para todas as pessoas, educação pública de qualidade, incluindo a sexual porque não está no gibi a quantidade de adolescentes, e até crianças, grávidas no Brasil e também em Uganda, sem dúvida. Sem contar, também, o fato de manter crianças e adolescentes longe do mundo do crime através do ensino de técnicas de cinema, como edição, montagem e roteiro (a lista é bem maior), e esporte.

O Robert Kizito, a cargo de informação, é professor de Kung-Fu e ensina muitos jovens a lutar, tanto que existem os WakaStars, uma equipe de jovens astros que é presença certa nos filmes de IGG.

Como a violência, ainda hoje, e infelizmente muito presente no cotidiano, é uma causa de morte muito comum em países onde a pobreza é muito alta, isso torna a existência de Wakaliwood extremamente importante e muito necessária. Porque cada filme feito pela equipe e cada pequena ação no meio disso torna mais forte no coração de cada uma dessas pessoas a esperança de um futuro melhor, com uma vida melhorada, onde as futuras gerações possam ter a chance de sonhar e acordar a cada dia com um sorriso no rosto.

Porque no fim, todo mundo merece o amor, a dignidade, o direito de ser feliz. E o cinema, seja como for sua execução, traz felicidade, esperança, alento, conforto. O que dinheiro nenhum no mundo é capaz de pagar.

Lady Trotsky encerra a transmissão aqui, agora.

 

*: https://diplomatique.org.br/depois-de-hollywood-e-de-bollywood-wakaliwood/

Sobre Renata Cezimbra

Brasileira e gaúcha com os dois pés e muita imaginação na região do Prata, pois é lá que começa o universo dos Vampiros Portenhos. Onde convergem os vórtices das mais férteis referências de uma dama teimosa, que aprecia pitadas de cultura pop, referências underground e coisas do arco da velha.

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18 comentários:

  1. Olá,
    Não conhecia o projeto e achei bem interessante, sou uma pessoa muito por fora do cinema (no geral, e nos filmes independentes), então realmente não fazia ideia de que algo assim acontecia.

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  2. Caramba!! não conhecia o projeto e olha que lindo!!
    Tô simplesmente apaixonada!! Ando por fora de cinema :( te confesso que não é meu forte, mas uma baita iniciativa

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  3. Eu acho que é a primeira vez que vejo falar do Fantaspoa e achei a ideia fantástica. Também gostie de ler sobre Wakaliwood, vou pesquisar mais sobre esse universo

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  4. Olá, tudo bem? Não conhecia este projeto, mas achei a ideia muito bacana. Adorei tua postagem!

    Beijos,
    Duas Livreiras

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  5. Oii!

    Que demais saber sobre esse projeto. Confesso que mesmo amando filmes, eu sou meio alheia ao universo e os projetos que estão a sua volta, mas eu fiquei feliz em saber sobre a iniciativa, até pq como você disse, a violencia parece tomar cada vez mais espaço no mundo, eu acho que ações como essas que ajudam a população enxergar uma esperança...

    Beijinhos,
    Ani
    www.entrechocolatesemusicas.com.br

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  6. Oi. :)
    Não conhecia esse projeto Fantaspoa, mas deve ser muito legal. Algo que incentiva as pessoas a conhecer novos lugares e pessoas de etnias diferentes. Adorei sua resenha, adoro conhecer novos povos e culturas, sempre é um aprendizado né? Não tem nada melhor do que o almoço coletivo depois de uma gravação (digo isso pq já participei de um filme e essa era a hora que mais gostava), muito interessante esse projeto.
    Beijos.
    Manuscrito de Cabeceira

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  7. Não conhecia o projeto e fiquei bem curiosa por toda a produção envolvida. Fiquei imaginando a união da equipe e o quanto seria mais facil se o Brasil todo conhecesse.
    Beijos

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  8. Oi, Renata!
    Eu não conhecia o evento e fiquei muito feliz de saber que temos festivais assim aqui no Brasi. Sobre o projeto de Uganda, não conhecia também, mas fiquei muito curiosa sobre. É tão importante termos pessoas tentando dar uma chance para os outros, mesmo que isso não venha do governo, infelizmente - que devia ser quem daria essas chances, em todos os campos da sociedade, seja na educação, no esporte, no cinema, na literatura.
    Adorei conhecer a Wakaliwood!
    Bjss

    http://umolhardeestrangeiro.blogspot.com/2020/08/resenha-ps-ainda-amo-voce-livro-2.html

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  9. Amo essas postagens informativas!
    A gente descobre tanta coisa bacana! Não fazia ideia desse projeto e achei super incrível!
    Além dessa resenha maravilhosa!
    Adorei a dica e esse rio de informações!
    Beijinhos e muito obrigado!!

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  10. Caramba, não conhecia ess projeto e adorei a iniciativa!!
    Eu não tenho muito o hábito de cinema e tal, eu sou bem por fora dessas coisas, mas nossa, fiquei encantada com isso!!
    Adorei seu post, super informativo!!!

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  11. OláÁ!
    Achei muito boa a iniciativa do projeto! Não o conhecia, e gostei mto! também gostei de conhecer o Wakaliwood, fiquei encantada e também um pouco melancólica por saber das situações difíceis que eles por mtas vezes passam.
    bjs
    Lucy - Por essas páginas

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  12. Oi Renata.

    Achei bem interessante a iniciativa deste projeto de fazer cinema com amor, especialmente em cinemas independentes. Confesso que ainda não tinha lido nada sobre ele. Parabéns pela postagem.

    Bjs

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  13. Não conhecia esse projeto e achei fantástico, fiquei curioso em me aprofundar nele. Parabéns pelo post, sempre trazendo novidades para os leitores.

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  14. Sou uma pessoa que não se atenta muito ao cinema o que deveria mudar sem dúvida, gostei de conhecer a iniciativa e de saber mais a respeito do projeto em sí.

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  15. Olá, tudo bem? Concordo e assino embaixo de tudo que disse, pois não importa de vem, a arte ela conversa com nossa alma e nos toca de maneira sem igual. Não conhecia esse local da cinematografia, mas vejo que a essência que nos faz ser viciados em filmes está lá. Já quero conhecer obras do projeto. Amei a postagem!
    Beijos

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  16. Olá, tudo bom?
    Nunca tinha ouvido falar do projeto, mas achei simplesmente sensacional a forma como é desenvolvido, como os atores e todos os que trabalharam nas produções dão tudo de si. Realmente projetos assim no Brasil e em muitos outros países fariam toda a diferença. A arte é essencial ♥
    Beijos!

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  17. Olá! Que projeto interessante, obrigada por me apresentá-lo porque, nunca tinha escutado falar sobre ele. É sempre bacana visitar outros blogs e conhecer projetos como esse, não sou muito ligada a cinema e achei incrívei os atores trabalharem nas produções dos filmes.

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  18. Oi gente, como estão?
    Vocês tem ideia de como me fazem feliz por terem gostado desse projeto? Se quiserem até dar uma colaboração, eles agora estão no Patreon para conseguir recursos de modo a continuar realizando esse lindo projeto, Wakaliwood, que faz tanto bem aquelas pessoas tão sofridas de Wakaliga.
    Um beijo de fogo e gelo da Lady Trotsky...
    http://www.osvampirosportenhos.com.br

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