quarta-feira, 27 de janeiro de 2021

[Lady Trotsky Resenha] O Historiador - Elizabeth Kostova

Título: O Historiador
Autor (a): Elizabeth Kostova
Páginas: 544
Editora: Suma de Letras
Classificação: 

Sinopse: Certa noite bem tarde, ao explorar a biblioteca do pai, uma jovem encontra um livro antigo e um maço de cartas amareladas. As cartas estão todas endereçadas a "Meu caro e desventurado sucessor", e fazem mergulhar em um mundo com o qual ela nunca sonhou - um labirinto onde os segredos do passado de seu pai e o misterioso destino de sua mãe convergem para um mal inconcebível escondido nas profundezas da história.

 

 

 

O que a lenda de Vlad, o Empalador tem a ver com o mundo moderno? Será possível que o Drácula mítico tenha realmente existido – e continuado a viver, pelos séculos afora? A resposta a estas perguntas atravessa o tempo e as fronteiras enquanto primeiro o pai, e depois a filha perseguem pistas que os levam de empoeiradas bibliotecas de universidades norte-americanas a Istambul, Budapeste e os confins da Europa oriental. Em cada cidade, monastério e arquivo, em cartas e conversas secretas, emerge a horrível verdade sobre o feroz reinado de Vlad – e sobre um pacto atemporal que pode ter mantido sua monstruosa obra viva através dos tempos.

Elspeth, ou Elsie, como é carinhosamente chamada pelo pai, é filha de um diplomata que em algum lugar da década de cinquenta foi um jovem doutorando em História que possuía um brilhante futuro acadêmico. Essa última informação poderia ser pouco relevante se, em uma noite tediosa em Amsterdã, onde ela então residia, não tivesse encontrado um antigo maço de cartas amareladas cujo começo sempre diz a mesma frase: "Meu caro e desventurado sucessor".


A partir dessa descoberta, a jovem finalmente saberá sobre o misterioso passado sobre o qual seu pai, Paul, nunca comenta. O que inclui sua mãe, falecida quando Elsie era somente um bebê.
Elsie não imagina, no entanto, que a história por trás do passado de seu amado pai teve trágicos desdobramentos que transformaram profundamente a existência dele, de seu antigo orientador, o misteriosamente e até hoje desaparecido professor Rossi e sua mãe, cuja história com seu pai se entrelaça de modo intrínseco à investigação da verdade sobre um dos mais famosos tiranos que o mundo já conheceu: Vlad III ou simplesmente, Vlad, o Empalador.

 


 

Estou hoje resenhando um livro que definitivamente não é para qualquer leitor.
Só para vocês terem uma ideia, eu li metade dele nada menos que duas vezes, porque as descrições extensas e detalhadas por vezes me cansavam, e podem cansar o leitor, e só na terceira finalizei a leitura como um todo.
 

"Virei-me, impaciente, com a intenção de ir ver onde ele estava, quando ouvi um ruído no fundo da sala. Foi uma espécie de pancada seca, mais uma vibração através do chão do que propriamente um som, como o de um pássaro que choca com um vidro em pleno voo. Alguma coisa me fez levantar e ir na direção do impacto, o que quer que fosse, e dei comigo a correr para a sala de trabalho no fundo do salão. Não via Mr. Binnerts através das janelas, o que por um momento foi um alívio, mas quando abri a porta de madeira havia uma perna no chão, uma perna dentro de umas calças cinzentas, ligada a um corpo contorcido, a camisola azul enviesada no tronco torcido, o cabelo grisalho emaranhado e ensanguentado, o rosto misericordiosamente meio escondido dilacerado, uma parte dele ainda na esquina da secretária. Um livro tinha aparentemente caído da mão de Mr. Binnerts. Na parede, por cima da secretária, havia uma mancha de sangue, com uma grande e bem definida marca de mão, como uma pintura infantil. Esforcei-me tanto por não fazer qualquer ruído que o meu grito, quando veio, parecia ter saído de outra pessoa." – Pág. 95.



Devo dizer, foi o livro que me fez relembrar o quanto sou apaixonada por História, minha matéria de longe favorita no colégio e foi até mesmo minha primeira opção de faculdade quando estava na época de pensar nisso. A edição física, por sua vez, é nada menos que maravilhosa, apesar das folhas brancas. A fonte, porém, está de bom tamanho e a revisão é nada menos que impecável. Um excelente trabalho da Suma de Letras.



 

O Historiador, da autora americana Elizabeth Kostova, segundo a própria, foi baseado em pelo menos uma década de extensa pesquisa sobre as lendas cercando Vlad Tepes, o bloco comunista europeu, a vida monástica nos idos do século quinze, as invasões turco-otomanas na Europa (o Império Turco-Otomano teve fim com o advento da Primeira Guerra Mundial, assim como o Russo e o Austro-Húngaro) e pelo menos um bom número de guias turísticos, considerando a quantia de descrições envolvendo as viagens da protagonista.


“Quando a tampa da caixa de segredos do sultão Mehmed foi aberta, emanou dela um cheiro que eu conhecia bem. Era o cheiro de documentos muito antigos, de pergaminho, de pó e de séculos, de páginas que o tempo há muito começara a corromper. Era o mesmo cheiro do pequeno livro em branco com o dragão no centro, o meu livro. Nunca tivera coragem de o cheirar diretamente, como em segredo fizera com alguns dos outros volumes antigos que tinha manuseado — tinha medo, acho eu, que pudesse haver algum traço repugnante no seu odor, ou, pior, algum poder no cheiro, uma droga maligna que não queria inalar.” – Pág. 189.


Que mal pode ser considerada assim já que a maior parte do livro é narrada no passado e os reais protagonistas são na verdade Paul e Helen, os pais dela, que acabaram se conhecendo devido a uma pesquisa em comum: o tirano Vlad III, também conhecido como Vlad, o Empalador (não recomendo procurarem isso no Google ou terão pesadelos à noite). Que, caso não tenha ficado claro, foi, em parte, a inspiração para o mais famoso vampiro da literatura mundial, Drácula. Que por sua vez, inspirou a autora a escrever a maior parte do livro em forma de cartas, o que nos dá uma ideia do ponto de vista de vários personagens diferentes. Inclusive o casal se conhece quando ela está em posse do único exemplar da universidade e Paul está desesperadamente interessado no livro depois que as pistas do desaparecimento do professor Bartolomew (Bartolomeo) Rossi levam nosso doutorando (à beira de um ataque de nervos) a descobrir que seu orientador estava metido até o pescoço (figurativa ou literalmente?) em uma investigação sobre Vlad III.

“— Folheei todas aquelas maravilhas e outras que ele colecionara em Inglaterra, talvez depois da viagem, até encontrar uma História da Hungria e da Transilvânia, na qual deparei com uma referência a Vlad Tepes, e mais outra, e, finalmente, para minha alegria e espanto, encontrei um relato do enterro de Vlad no lago Snagov, diante do altar de uma igreja que ele restaurara lá. Esse relato era uma lenda passada para o papel por um aventureiro inglês que estivera na região, alguém que se autodenominava simplesmente "Um Viajante" na página de rosto e que fora contemporâneo do colecionador jacobino. Isto deve ter sido cerca de cento e trinta anos depois da morte de Vlad.” – Pág. 289.



Aparentemente, uma pesquisa histórica não deveria causar tantos problemas, mas apenas imagine que um dos piores tiranos da história ainda está vivo, mesmo morto, e espalhando sua pestilência pelo mundo. Imaginou? Bem, some isso ao fato de que Paul e Helen, na pista do desaparecido Rossi, tem de viajar DENTRO do bloco comunista europeu durante a década de cinquenta (União Soviética, sacam?) se valendo de todo o tipo de mentiras diplomáticas e universitárias (e um bocado de dinheiro). Isso sem contar o fato de que tem até a polícia secreta dos comunas na bagunça (mais precisamente na Hungria e Bulgária) e os dois são obrigados a tomar todos os cuidados se não quiserem “desaparecer” caso alguém descubra o que eles realmente querem.  Sem mentira alguma, tinha vezes no livro que eu precisava segurar a respiração porque o negócio se provou realmente tenso. Ainda mais quando um dos “comunas” tem um passado com a Helen, coisa que ela agora repudia.



“Lembrava-me muito bem da estação rodoviária de Perpignan, onde estivera com o meu pai no ano anterior, esperando pelo autocarro empoeirado que ia para as aldeias. Agora, o autocarro encostou novamente e Barley e eu entramos nele. A nossa viagem a Lês Bains, percorrendo largas estradas rurais, também me era familiar. As cidades pelas quais passávamos eram circundadas por plátanos com as copas aparadas em quadrado. Árvores, casas, campos, carros velhos, tudo parecia ser feito da mesma poeira, uma nuvem cafe-au-lait que cobria tudo.” – Pág. 388


Claro que tudo isso se vale de descrições muito detalhadas, que como já falei, podem cansar quem está lendo. Porém, admiro a dedicação da Elizabeth Kostova na pesquisa, porque confesso que a maior parte das referências me era desconhecida, e mais ainda a preocupação dela em fazer a história ser crível, realista e coesa apesar de todo o elemento sobrenatural presente. Até mesmo a construção do romance de Paul e Helen, dentro do que era possível devido aos fatos, é coerente e bem realizada. Além de ser impossível não se comover com a história de origem da Helen, que só não ponho aqui por ser spoiler e também porque me dá vontade de chorar quando relembro. Especialmente pelo desdobramento do negócio. Só lendo mesmo é que vocês vão sentir o drama e lógico, passar aquela raiva quando descobrirem o real motivo. Creiam, em nada se parece com o que vocês já leram.

“A cripta era o lugar mais escuro em que já alguma vez estive, com todas as suas velas apagadas, e fiquei satisfeito pelos dois pontos de luz que trazíamos. Acendi as velas com a que tinha na mão. A chama delas ergueu-se, fazendo cintilar os bordados a ouro do relicário. As minhas mãos tinham começado a tremer bastante, mas consegui tirar a pequena adaga de Turgut do meu bolso, onde a guardava desde que saíra de Sofia. Pousei-a no chão junto do relicário, e Helen e eu tiramos delicadamente os dois ícones dos seus lugares dei comigo a desviar os olhos do dragão e São Jorge e encostamo-los a uma parede. Removemos o pesado tecido e Helen dobrou-o e pô-lo de lado. Durante todo esse tempo, eu estava atento com todas as fibras do meu corpo a qualquer ruído, ali ou na igreja por cima, até que o próprio silêncio começou a zumbir e a sibilar nos meus ouvidos. Houve um momento em que Helen agarrou na minha manga e ficamos a ouvir juntos, mas nada se mexeu.” – Pág. 474.


Outra coisa que não posso deixar de admirar é o modo como Kostova constrói a mitologia dentro do “universo” dela e a maneira como ela detalha o passo a passo da situação, quando ela acontece no livro, o que não são raras vezes. Além da GENIAL sacada do título, que, vou confessar, me pegou de surpresa, pois nem nos meus sonhos mais loucos imaginei aquilo. Sem contar o modo como Elizabeth encaixa todos os pontos da história sem deixar nada solto e deixa o leitor com aquela de cara de “eita!”. Isso tudo, porém, eu deixo com quem quiser ler, já que também é spoiler.
Ao fim e ao cabo, dei cinco estrelas ao livro porque, apesar de alguns pontos que soam negativos a alguns, ele é realmente muito bom. Mas, recomendo só a quem tiver realmente paciência, gostar muito de História e souber apreciar cada linha do livro com a olhada que ele merece.

“— Com a sua inflexível honestidade, pode ver qual é a lição da História — disse. — A História ensinou-nos que a natureza do homem é má, de uma maldade sublime. O bem não é aperfeiçoável, o mal, sim. Por que não pôr a sua mente privilegiada ao serviço do que é aperfeiçoável? Peço-lhe, meu amigo, que se junte a mim por vontade própria na minha pesquisa. Se o fizer, vai evitar uma grande angústia para si mesmo e vai poupar-me um considerável aborrecimento. Juntos, vamos fazer o trabalho do historiador avançar para lá de qualquer coisa que o mundo alguma vez já viu. Não há pureza como a pureza dos sofrimentos da História. Terá o que todo o historiador quer: a história será realidade para si. Limparemos as nossas mentes com sangue.”


Sobre Renata Cezimbra

Brasileira e gaúcha com os dois pés e muita imaginação na região do Prata, pois é lá que começa o universo dos Vampiros Portenhos. Onde convergem os vórtices das mais férteis referências de uma dama teimosa, que aprecia pitadas de cultura pop, referências underground e coisas do arco da velha.

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10 comentários:

  1. Olá
    Imagino mesmo que não é qualquer leitor que leria esse título, ainda mais por ter uma escrita de tal forma a ser mais detalhada. Por sua resenha, pude compreender um pouco da imensidão dessa obra, mas só lendo mesmo para entender a fundo ne. Vou pesquisar mais sobre ele já que sua resenha me deixou interessada mesmo.
    Beijos, Fê
    http://modoliterario.blogspot.com/

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  2. História também era minha matéria favorita na escola e olha que eu sou de Exatas... rs Adorei suas considerações sobre a obra e fiquei bem curiosa.

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  3. Oiee!
    Realmente não é uma leitura para qualquer leitor, deu pra perceber toda extensão da obra, nas informações e detalhes. No entanto, achei bastante interessante a premissa, desperta a curiosidade de saber mais e eu gosto muito de História também. Confesso que fiquei curiosa por essa obra. bjs

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  4. Olá, tudo bem? Eu conhecia a história do Vlad através de um livro de fantasia (que foi inspirado em sua história) e com isso fiquei mega curiosa em descobrir mais. O que pode ser um empecilho é realmente essas descrições extensas, mas vamos ver. Eu sempre gostei de História na época escolar, mas acabei não seguindo carreira na vida adulta. Ainda assim, sou fascinada pelos assuntos. Adorei!
    Beijos

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  5. Gosto de livros desafiadores e este realmente parece ser um deles! Já aconteceu comigo de ler e reler partes do livro para entender de verdade. Mas embora eu me perca às vezes nas descrições acho que elas são essenciais para as entrelinhas e grandiosidade da obra. Já anoite a dica aqui e com certeza quando estiver num momento mais tranquilo vou pegá-lo para ler!

    Parabéns pela linda resenha! Está sensacional!

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  6. Não conhecia esse livro, mas me chamou a atenção, ainda mais por trazer um relato relacionado a Vlad. Sempre gosto de conhecer versões sobre figuras históricas, a de Bram Stoker me encanta, vou anotar o nome desse livro pra ver se a versão dessa autora também irá me encantar. E verdade, não é aconselhado procurar no Google sobre a trajetória de Vlad, o Empalador!

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  7. Oi Renata

    Tenho muita vontade de ler este livro por causa dos comentários elogiando a obra. Gostei bastante da sua opinião e espero lê-lo em breve para ter minha própria opinião e sentir toda a drama. Parabéns pela resenha e obrigada pela dica.

    Bjos

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  8. Olá tudo bem ?
    Concordo com você quando diz que não é uma obra para que qualquer um leia, é muito complexa e de um contexto muito intenso, mas acho incrível o detalhamento que você consegue fazer de uma obra assim sabia ? Pois como vc disse, é exaustiva, e quem já leu livros assim, sabe que é mesmo exaustivo.
    Parabéns pela leitura, pela resenha. Saber que ela foi capaz de encaixar todas as peças, não deixar nada solto é ainda mais encantador.
    Beijos

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  9. Olá,
    Realmente este livro não é pra mim, tenho pavor a longas descrições neste tipo de livro, me da ate agonia hahaha. O tema me interessa um pouco, e gosto de toda a coisa histórica, porém por conta das descrições é uma dica que passo.

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  10. Oi gente, tudo bem?
    Novamente muito grata por todos os comentários carinhosos com relação a esse livro tão maravilhoso. Para quem meio que não gosta de livro com tanta discrição, recomendo mesmo dar uma chance, é muito bom mesmo!
    Um beijo de fogo e gelo da Lady Trotsky...
    http://wwww.osvampirosportenhos.com.br

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